Era sagrada naquela família, todo domingo de Páscoa, a caça aos ovos por todas as crianças. Os adultos acordavam de manhãzinha e escondiam os ovos por todo o sítio do Vô Ananias, que ajudava feliz nessa tarefa. Às oito da manhã, as crianças eram acordadas, tomavam um café reforçado e depois eram agrupadas numa clareira. Dali começariam as buscas. A festa entre os oito primos começava e cedo ou tarde cada um achava o seu. E quem achava estava fora da disputa. Às dez horas, mesmo antes do almoço, a criançada ficava na sala empanturrando de chocolate. Normalmente, isso valia uma bronca severa das mães, mas na Páscoa, essa contravenção estava liberada.
Deu que no ano e que as crianças já entravam na casa dos dois dígitos de idade, uns mais adiantados e outros menos, uns se achegando aos quinze anos, preparação para a vida adulta e os dois mais novos que estreavam nos dez anos, os pais se reuniram e debateram se ainda valia a pena manter viva a brincadeira. As crianças já não eram mais tão crianças assim. Algumas já tinham se desfeito de carrinhos, bonecas, roupas infantis e estavam mais preocupadas com aparência. Não havia mesmo porque continuar com a corrida dos ovos. Seria um alívio para as contas da casa.
Mas como sempre acontece sem dever acontecer, havia um espião do grupo dos debatidos que escutou toda a conversa dos adultos. Então esse ano ninguém ia para o sítio do Vô Ananias caçar ovos de Páscoa? Não dava pra acreditar. Num aniversário de família anterior à Páscoa, o espião juntou todas as crianças e contou a terrível novidade. Pra quê? A festa dos adultos foi abortada. Primeiro, chegou um grupo dos primos perguntando por que não teria a corrida dos ovos. Os pais responderam que não podiam ir ao sítio do Vô Ananias e outras mentiras adultas. O berreiro foi ato-contínuo.
- Queremos a corrida dos ovos! – E o protesto seguiu a noite toda. Como eles adivinharam? Quem falou? Quem ouviu? Fizeram com tanto segredo a reunião dos adultos. Como pôde acontecer? Logo se deram pela realidade dos fatos. Eram cinco adultos contra oito crianças. Eles podiam ter mais maturidade, mas não há maturidade contra protesto infantil. Revogaram a decisão tomada e armaram o fim de semana no sítio, compraram e esconderam os ovos como todo ano. No domingo de Páscoa, foi a festa de sempre, mas os pais se perguntavam quem teria espalhado para as crianças que não era pra ter corrida dos ovos?
Às nove e meia, quando todos acharam seus ovos e se deliciavam na sala, o espião, talvez movido por culpa, foi ter com os mais velhos:
- Olha, eu ouvi aquele dia vocês conversando sobre a corrida dos ovos e fui eu quem falou para os primos.
- Mas você? Por que fez isso? Justamente o mais velho! Quinze anos, quase um homem!
- Porque mesmo já não sendo tão criança assim, é exatamente nesse dia que eu me sinto mais. Não consigo passar a Páscoa sem a corrida dos ovos. A culpa foi de vocês que me acostumaram assim.
Caso encerrado. A corrida dos ovos durou alguns anos a mais até todas as crianças crescerem e decidirem por si próprias que o tempo da corrida dos ovos tinha passado, o que era escolhido democraticamente, mas sempre com alguns votos dos saudosistas pela velha brincadeira.
Francisco Libânio,
24/04/11, 10:55 AM
Deu que no ano e que as crianças já entravam na casa dos dois dígitos de idade, uns mais adiantados e outros menos, uns se achegando aos quinze anos, preparação para a vida adulta e os dois mais novos que estreavam nos dez anos, os pais se reuniram e debateram se ainda valia a pena manter viva a brincadeira. As crianças já não eram mais tão crianças assim. Algumas já tinham se desfeito de carrinhos, bonecas, roupas infantis e estavam mais preocupadas com aparência. Não havia mesmo porque continuar com a corrida dos ovos. Seria um alívio para as contas da casa.
Mas como sempre acontece sem dever acontecer, havia um espião do grupo dos debatidos que escutou toda a conversa dos adultos. Então esse ano ninguém ia para o sítio do Vô Ananias caçar ovos de Páscoa? Não dava pra acreditar. Num aniversário de família anterior à Páscoa, o espião juntou todas as crianças e contou a terrível novidade. Pra quê? A festa dos adultos foi abortada. Primeiro, chegou um grupo dos primos perguntando por que não teria a corrida dos ovos. Os pais responderam que não podiam ir ao sítio do Vô Ananias e outras mentiras adultas. O berreiro foi ato-contínuo.
- Queremos a corrida dos ovos! – E o protesto seguiu a noite toda. Como eles adivinharam? Quem falou? Quem ouviu? Fizeram com tanto segredo a reunião dos adultos. Como pôde acontecer? Logo se deram pela realidade dos fatos. Eram cinco adultos contra oito crianças. Eles podiam ter mais maturidade, mas não há maturidade contra protesto infantil. Revogaram a decisão tomada e armaram o fim de semana no sítio, compraram e esconderam os ovos como todo ano. No domingo de Páscoa, foi a festa de sempre, mas os pais se perguntavam quem teria espalhado para as crianças que não era pra ter corrida dos ovos?
Às nove e meia, quando todos acharam seus ovos e se deliciavam na sala, o espião, talvez movido por culpa, foi ter com os mais velhos:
- Olha, eu ouvi aquele dia vocês conversando sobre a corrida dos ovos e fui eu quem falou para os primos.
- Mas você? Por que fez isso? Justamente o mais velho! Quinze anos, quase um homem!
- Porque mesmo já não sendo tão criança assim, é exatamente nesse dia que eu me sinto mais. Não consigo passar a Páscoa sem a corrida dos ovos. A culpa foi de vocês que me acostumaram assim.
Caso encerrado. A corrida dos ovos durou alguns anos a mais até todas as crianças crescerem e decidirem por si próprias que o tempo da corrida dos ovos tinha passado, o que era escolhido democraticamente, mas sempre com alguns votos dos saudosistas pela velha brincadeira.
Francisco Libânio,
24/04/11, 10:55 AM
Um comentário:
Nossa,me fez refletir que as vezes nós que não queremos lagrar de sermos crianças.
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