sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
O descontente
Era um sujeito xarope, daqueles que nada lhe agradava e não se agradava com nada. Sua casa, achava-a a pior do mundo e só perdia para as que era convidado, todas desconfortáveis, quentes demais quando não glaciais em excesso. Por essas, nunca visitava a mesma casa duas vezes. Minto. Teve a casa de um camarada na qual ele esteve uma segunda vez. Na primeira, incomodou-se com a brancura das paredes e com a pouca iluminação da casa. A anfitrião transigiu e refez toda a luz do lugar, mudou as janelas e a casa ficou mais clara. Deu vida às paredes com um bege claro, mas perceptível. O ranzinza mandou a claridade em excesso ao diabo. Queriam lhe cegar?
No trabalho, a coisa diferia pouco. Sempre era o patrão que era um carrasco. Quando o chefe abrandava, era a rua, era o cara ao lado, era o salário de fome, outra vez o chefe, a secretária. Quando se aposentou, reclamou de trabalhar tanto até chegar o dia e meteu a boca no INSS a quem acusou de não contar certinho o tempo de serviço.
Não era neoliberal porque criticava a opressão da burguesia ao proletariado e a injustiça social que provocava. Não se deu como socialista porque não acreditava na luta de classes e não via sentido nenhum no marxismo, uma grande balela. Resolveu fundar seu próprio partido. Chegou a alinhar ideias e amealhar correligionários, mas na primeira plenária, discordou tanto do regimento interno que abandonou a reunião e correu a fundar uma dissidência.
Casou dezenove vezes. Alguns dos enlaces não demoraram mais que quatro dias. O mais longo demorou contados cento e vinte. Encrespava direto com suas senhoras. Ou elas eram passivas demais ou verdadeiros generais de saias. Algumas eram perdulárias, outras sovinas. Umas eram teimosas e outras eram egoístas, mas todas, no papel de ex-mulheres, eram víboras ávidas por dinheiro. Não deixava de praguejar nenhuma e não menos a solidão, que era um lixo.
Um dia acordou sentindo uma dor infernal no peito. Xingou o médico que, segundo ele, atendera de forma irresponsável e receitou um remédio horroroso que, por isso mesmo, não tomava. Dessa dor para um infarto foi dois palitos. Morreu e foi lembrado no enterro quanto no velório porque safou as coroas de flores e o caixão de sua ira. O mesmo não tem dito o coveiro com anos de labuta e, por isso mesmo, descrente em almas do outro mundo. Deixou de sê-lo depois de ouvir toda noite um fantasma reclamando de infiltrações em sua cova.
Francisco Libânio,
17/04/10, 3:00 PM,
Caraguatatuba
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário