sexta-feira, 5 de março de 2010

Toneco Tavares, o Presidente da Câmara ou A Múmia

(Melhor se lido após Gardel Bardi ou A Mulher Nua)


O dia de Toneco Tavares começou com uma ressaca monstro. O presidente da Câmara, famoso pelos porres homéricos, ontem também exagerou na canjebrina e hoje pagava o preço dela. A mulher foi acordá-lo com um café forte e lembrá-lo que hoje a sua bancada, os oposicionistas ao prefeito Gardel Bardi, tinham uma reunião importantíssima. A desafeição entre o prefeito e o presidente da Câmara era famosa na cidade. Tavares fora prefeito na gestão anterior e foi muito criticado pelo seu sucessor, vereador há alguns mandatos, mas que nunca chegou à cadeira principal. Essa era a carta na manga de Toneco. Mais popular? Difícil saber quem era. Na verdade, a população responderia a essa pergunta elegendo o menos insuportável. Toneco era um beberrão boêmio, mas um vereador atuante de dia. O prefeito Bardi vivia às voltas com acusações de desvio de verbas. Não que a honestidade de Tavares fosse algo exemplar. Os donos dos bares freqüentados pelo senhor presidente já pensaram em cobrar as penduras do ilustríssimo na Câmara Municipal. Ou até bloquear a quantia via juízo. Só não o fizeram porque ia ser notícia de jornal, confusão. E eles eram tímidos, iam ter que sair em foto e poderia espantar a freguesia.

Depois do santo café e do salvador antiácido, Toneco se arrumou para a reunião na casa de um de seus correligionários. Quando se preparava pra sair, a mulher o chamou. Telefonema urgente de um dos seus informantes secretos (ele tinha vários só pra aporrinhar a vida do seu inimigo político).

- Seu Toneco, o senhor não sabe da última! O prefeito Bardi tinha uma múmia na prefeitura.

- Deve ser alguém da família dele.

- Não, seu Toneco. É múmia mesmo. Daquelas de filme, enfaixada e tudo mais. O senhor precisava ver.

- Acha? Onde ele ia arrumar uma múmia? Isso não é coisa que vende em camelô.

- Mas é, seu Toneco. E vou falar uma coisa pro senhor. Ou eu sonhei ou a tal múmia tinha uns peitões. Vou falar, aquela era uma múmia gostosa.

O vereador desligou o telefone quando o informante começou a descrever a tal múmia com aquele jeito de quem tivesse dormido com ela. Múmia com peitão? Esse cara devia estar maluco vendo esses filmes de terror vagabundos. Ou, certamente, o sujeito bebeu mais que ele na ontem e teve essas ilusões. O lance agora era ir até à reunião. No caminho, parou pra abastecer o carro e enquanto o frentista cuidava dos vidros, ele foi tomar mais um café pra espantar a dor de cabeça. E onde ele passava, o assunto era a múmia do prefeito. Toneco Tavares procurou se assuntar mais sobre o tema. Tava aí uma ótima forma de denegrir Gardel Bardi. E começou a espalhar a notícia aumentando, é claro. Disse que um prefeito que coloca uma múmia no seu gabinete ou é maluco ou tem coisa com o Demo. Essas coisas de ficar colocando morto onde ficam os vivos. Não viu o prefeito pela manhã toda, o que era bom. Se o visse, iria cascar de rir da cara do maluco. Abastecido o carro e cheio de idéias, Toneco foi pra casa do nobre colega. Lá encontrou alguns simpatizantes como o doutor Honório Holiveira, médico respeitado na cidade e foi logo perguntando:

- O senhor viu essa da múmia do prefeito?

- Não, o que a primeira dama fez?

Aqui vale explicar que o dr. Holiveira ainda nutria um ranço de anos por conta da primeira dama nunca ter lhe dado pelota e ter casado com outro. Tavares explicou o caso com as coisas que ouviu enquanto ia pra reunião. O dr. Holiveira achou muita graça e brincou dizendo que deveria ser uma entrevista pra secretário de alguma pasta. Enquanto conversavam, iam chegando os vereadores da bancada simpática ao presidente. A história virou o tema da mini-assembléia. Claro que nenhum dos presentes tinha visto a múmia. Dois vereadores, religiosos ardorosos, ameaçaram se retirar da reunião porque isso tudo era coisa do Diabo e não era pra se tratar como piada. Pensou-se em atacar o prefeito dizendo que ele tinha uma seita secreta que sumia com crianças em oferendas de rituais satânicos. O problema é que fazia anos que nenhuma criança sumia na cidade. Pensaram então em atacar a paixão por relíquias antigas do prefeito e isso atingiu outro vereador, também apaixonado por antiguidades. Conversa que conversa e chegaram à seguinte conclusão. Iriam cooptar a múmia para sua bancada. Onde já se viu tocar uma múmia do gabinete assim? Estava decidido. Com sorte, poderiam até lançá-la candidata no próximo pleito.


Francisco Libânio,

10/01/10, 10:20 AM

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