- Senhor, senhor! – alguém chamou outro alguém, transeunte preocupado com sua vida e despreocupado de outras coisas, de lado.
- Que é? – respondeu como se não quisesse perder tempo. Tinha muita coisa a fazer e não podia parar e incomodar o fluxo na Praça da Sé assim impunemente e à toa.
- O senhor está interessado num Rolex novinho, original, zero bala, esse aqui, ó? Presente.
E era original mesmo. Novinho mesmo, virgem. O outro ficou cismado:
- Tá louco, rapaz? Não aceito presente de estranhos. Cai fora!
- Pois se a estranheza é o problema, não seja por isso. Eu me chamo José Maria dos Reis. Aqui meu RG e carteira de trabalho pro senhor conferir que eu falo a verdade. Viu só? Não somos mais estranhos. E eu sei que o senhor se chama José Silva. Olhaí, somos xarás.
Maldito crachá. Por que inventou de por ao sair de casa? Agora seu nome não seria mistério pra ninguém. Nem pra um sujeito que para na rua e oferece um Rolex. Tirou o corpo fora:
- Se o senhor me dá licença, eu estou atrasado pro trabalho, tá? Não quero seu Rolex.
- Amigo, não faz uma desfeita dessas comigo, não. Tô te dando de coração.
- Escute aqui. Eu nunca lhe vi na vida, o senhor nunca me viu mais gordo e agora vem com essa de querer me dar Rolex? Que palhaçada é essa?
- Palhaçada, chefia? Pode ver. É produto de primeira. Importado da Suíça, doutor. Coisa de elite.
- Tão coisa de elite que pra ser tudo isso deve ser roubado, né? Cadê um guarda?
- Assim o senhor me ofende, doutor! Se o senhor quer saber, eu comprei esse Rolex, tá legal? Com dinheiro ganho com o suor do meu rosto, ok? Tá aqui a nota fiscal se o senhor ainda duvida de mim.
A nota conferia com o produto. O relógio estava com tudo nos conformes. O abordado estava passado. Tudo certo, mas algo estava errado. Quem oferece um Rolex assim na rua pro primeiro que passa? Enquanto se metia em questões, o outro desafiou:
- Tô vendo que o senhor ainda não acredita. Tá aí com cara de desconfiado. Quer saber de uma coisa? Acabei de comprar esse troço por uma baba naquela loja ali ó. – e apontou – Vai lá perguntar. É meu há apenas dez minutos, mas me arrependi. Não quero mais.
O Silva foi à loja, abordou um vendedor, apontou o outro plantado na porta da loja, contou toda a história e ouviu a resposta que menos esperava:
- É realmente surpreendente senhor. Alguém dar um relógio desses de mão beijada, o mais caro do mostruário. Mas eu me lembro desse homem. Eu mesmo fiz a venda. Ele viu uns cinco, seis e escolheu esse. Eu disse que era o mais caro e ele disse que isso não era problema, que queria um Rolex não importasse o preço. E agora quer repassar? Estranho mesmo, mas não há nenhum problema com o produto.
Voltou para o outro que o encarava com um olhar triunfante, um “tá vendo?” doido pra sair da boca. Não tinha o que dizer, o que questionar. O relógio era original e sua procedência a mais honesta e correta possível. Tentou a última cartada:
- Fala pra mim, você é traficante de drogas, né? Pode falar, fica entre a gente.
- O senhor tirou mesmo o dia pra me insultar, só pode! Eu trabalho numa lanchonete na Liberdade. Sou chapeiro. Ganho o meu na labuta. Coisa é que eu nunca quis nada de luxo na vida. Nunca quis carro bom, roupa boa, mas quando vi um Rolex na TV – e eu tinha dezessete anos – eu prometi pra mim mesmo que não ia morrer sem ter um. Juntei dinheiro a vida toda pra realizar meu sonho. Hoje eu tô com trinta e sete e consegui juntar a grana. Comprei... Mas aí pensei “Tá, comprei, mas não gostei. Não era o que eu esperava.” Em vez de jogar no lixo, resolvi dar de presente. Alguém vai ser feliz com o que devia me fazer feliz e não fez. Aí o senhor apareceu, fui com sua cara e aqui estamos.
O outro pegou o relógio. Não podia aceitar. Propôs-se pagar, pelo menos, uma parte do valor. O dono do Rolex desconjurou:
- O senhor está louco? Não quero um centavo por ele. A questão não é grana. É meu prazer em satisfazer como fui satisfeito.
Sem acordo. Um queria pagar e o outro não queria receber. Jogou-se o Rolex num bueiro. Algum rio ia herdá-lo. Despediram-se e nunca mais falaram sobre isso.
Francisco Libânio,
03/03/11, 10:23 AM
- Que é? – respondeu como se não quisesse perder tempo. Tinha muita coisa a fazer e não podia parar e incomodar o fluxo na Praça da Sé assim impunemente e à toa.
- O senhor está interessado num Rolex novinho, original, zero bala, esse aqui, ó? Presente.
E era original mesmo. Novinho mesmo, virgem. O outro ficou cismado:
- Tá louco, rapaz? Não aceito presente de estranhos. Cai fora!
- Pois se a estranheza é o problema, não seja por isso. Eu me chamo José Maria dos Reis. Aqui meu RG e carteira de trabalho pro senhor conferir que eu falo a verdade. Viu só? Não somos mais estranhos. E eu sei que o senhor se chama José Silva. Olhaí, somos xarás.
Maldito crachá. Por que inventou de por ao sair de casa? Agora seu nome não seria mistério pra ninguém. Nem pra um sujeito que para na rua e oferece um Rolex. Tirou o corpo fora:
- Se o senhor me dá licença, eu estou atrasado pro trabalho, tá? Não quero seu Rolex.
- Amigo, não faz uma desfeita dessas comigo, não. Tô te dando de coração.
- Escute aqui. Eu nunca lhe vi na vida, o senhor nunca me viu mais gordo e agora vem com essa de querer me dar Rolex? Que palhaçada é essa?
- Palhaçada, chefia? Pode ver. É produto de primeira. Importado da Suíça, doutor. Coisa de elite.
- Tão coisa de elite que pra ser tudo isso deve ser roubado, né? Cadê um guarda?
- Assim o senhor me ofende, doutor! Se o senhor quer saber, eu comprei esse Rolex, tá legal? Com dinheiro ganho com o suor do meu rosto, ok? Tá aqui a nota fiscal se o senhor ainda duvida de mim.
A nota conferia com o produto. O relógio estava com tudo nos conformes. O abordado estava passado. Tudo certo, mas algo estava errado. Quem oferece um Rolex assim na rua pro primeiro que passa? Enquanto se metia em questões, o outro desafiou:
- Tô vendo que o senhor ainda não acredita. Tá aí com cara de desconfiado. Quer saber de uma coisa? Acabei de comprar esse troço por uma baba naquela loja ali ó. – e apontou – Vai lá perguntar. É meu há apenas dez minutos, mas me arrependi. Não quero mais.
O Silva foi à loja, abordou um vendedor, apontou o outro plantado na porta da loja, contou toda a história e ouviu a resposta que menos esperava:
- É realmente surpreendente senhor. Alguém dar um relógio desses de mão beijada, o mais caro do mostruário. Mas eu me lembro desse homem. Eu mesmo fiz a venda. Ele viu uns cinco, seis e escolheu esse. Eu disse que era o mais caro e ele disse que isso não era problema, que queria um Rolex não importasse o preço. E agora quer repassar? Estranho mesmo, mas não há nenhum problema com o produto.
Voltou para o outro que o encarava com um olhar triunfante, um “tá vendo?” doido pra sair da boca. Não tinha o que dizer, o que questionar. O relógio era original e sua procedência a mais honesta e correta possível. Tentou a última cartada:
- Fala pra mim, você é traficante de drogas, né? Pode falar, fica entre a gente.
- O senhor tirou mesmo o dia pra me insultar, só pode! Eu trabalho numa lanchonete na Liberdade. Sou chapeiro. Ganho o meu na labuta. Coisa é que eu nunca quis nada de luxo na vida. Nunca quis carro bom, roupa boa, mas quando vi um Rolex na TV – e eu tinha dezessete anos – eu prometi pra mim mesmo que não ia morrer sem ter um. Juntei dinheiro a vida toda pra realizar meu sonho. Hoje eu tô com trinta e sete e consegui juntar a grana. Comprei... Mas aí pensei “Tá, comprei, mas não gostei. Não era o que eu esperava.” Em vez de jogar no lixo, resolvi dar de presente. Alguém vai ser feliz com o que devia me fazer feliz e não fez. Aí o senhor apareceu, fui com sua cara e aqui estamos.
O outro pegou o relógio. Não podia aceitar. Propôs-se pagar, pelo menos, uma parte do valor. O dono do Rolex desconjurou:
- O senhor está louco? Não quero um centavo por ele. A questão não é grana. É meu prazer em satisfazer como fui satisfeito.
Sem acordo. Um queria pagar e o outro não queria receber. Jogou-se o Rolex num bueiro. Algum rio ia herdá-lo. Despediram-se e nunca mais falaram sobre isso.
Francisco Libânio,
03/03/11, 10:23 AM
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