sábado, 31 de agosto de 2013

1220 - Soneto sob influência de Raul

Um anjo embriagado num disco voador? Provavelmente.

Gente a frente do tempo aparece
E é maluca ou quer só aparecer;
Mas e se ele tem lá algo a dizer
E quem o ouve quase obedece

Como uma verdade, uma prece?
Raul Seixas veio pra enlouquecer
A coisa e exatamente isso fazer.
A Sociedade Alternativa parece

Loucura. Rock n´ Roll com baião?
O cara faz um verdadeiro balão
De ensaio! Ficar maluco beleza?

É... Raul tava muito, muito a frente
Do seu tempo. Tudo era diferente,
E até ser louco tinha sua nobreza.

Francisco Libânio,
31/08/13, 8:33 PM

1219 - Soneto sob influência de Gonzaguinha

De pai pra filho

Quando o cara vem com pedigree,
Dificilmente foge, difícil degenera.
Gonzaguinha fugiu ao que espera
Outro forrozeiro, mas então o guri

Resolveu ser sambista, sair por aí
Protestando de peito aberto a fera
Militar da época e ter junto a galera,
Menos o pai, que de nada disso ri,

O velho Gonzagão, ex-combatente,
Toma por subversivo e insurgente
A cria, mas a música, é sensacional,

Qualidade pai e filho têm, o estilo
Difere, mas isso se dobra tranquilo
E para a música isso não é um mal.

Francisco Libânio,
31/08/13, 5:25 PM

1218 - Soneto sob influência de Toquinho

Mas que ele fica estranho sem o tradicional bigode, fica.

Quem cantou e viveu com Vinicius
E compôs a pérola que é Aquarela
Merece graça, sempre a merecê-la
Por este e outros tantos benefícios

À música brasileira com estrupícios
Que temos hoje. Se outrora foi bela,
Toquinho é um que ajudou a fazê-la
Assim em tempos cheios de vícios,

Bebida, cigarro sem culpa a circular,
Fazer mise-en scene no palco, lugar
Qualquer e não se metia o bedelho,

Hoje Toquinho perdura, ainda é mito,
Ainda que para muitos seja proscrito,
Esquecido ou ainda tido como velho.

Francisco Libânio,
31/08/13, 12:53 PM

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

1217 - Soneto sob influência de Ivan

Para uns um soporífero e tanto.

Ouvi-lo ao piano, a voz melodiosa
Há quem tenha sono já na terceira
Música, quem saia logo na primeira
E ache uma coisa pra lá de tediosa,

Mas o Ivan de tempo e fama goza,
Tem nome construído, tem carreira
Sólida aqui e em terra estrangeira
E está andando pra gente rançosa,

Quer ir vê-lo ao seu piano? Opção!
Vá, divirta-se e curta a boa atração
E se acha chato, respeite, nem vá.

Vai ser um baita azar o seu a perda,
Ouve-se aí tanto lixo e tanta merda

E você critica o que há de bom lá?

Francisco Libânio,
30/08/13, 8:27 PM

1216 - Soneto sob influência de Erasmo

Erasmão, o lado rock n' roll da Jovem Guarda.

Um era o rei enquanto o amigo
Era o Tremendão. A vanguarda
Do som era a tal Jovem Guarda
Ainda que hoje seja troço antigo,

Mas se Roberto era amor, abrigo,
Erasmo era o rock, a bombarda.
Tinha doçura, uma salvaguarda
Romântica, mas ele era o perigo

Para os brotos para namoricos,
O negócio lá era de piores bicos,
Sexo, enfim. A parada era essa.

Mas na música, mesmo relegado,
Erasmo merece o mesmo dado
A Roberto pela sua alma travessa.

Francisco Libânio,
30/08/13, 7:23 PM

1215 - Soneto sobinfluência de Roberto

Não é rei, mas tem majestade.

Não há monarquia, por isso não é rei,
Mas dizer que o cara não manda bem
É excesso de desconhecimento além
De uma baita inveja, isso eu bem sei.

Mas se não é rei e é fera, o que direi?
Roberto tem uma, duas ou dez ou cem
Músicas que qualquer um pela aí tem
Frescas na memória já que é quase lei

Seu especial de natal, quase a reprise
Do ano anterior mais detalhe que frise
Nesse ano, sucesso, que é um prazer

Ao convidado. Cantar com o Roberto...
Só sei que um negócio aqui tá certo,
O cara não é rei, mas bem podia ser.

Francisco Libânio,
30/08/13, 3:48 PM

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

1214 - Soneto sob influência de Ney

Um sujeito sensacional.

Cantor excelente e um dançarino
De performance tão maravilhosa
Que veste uma roupagem airosa
E a música fica bem no figurino.

Ney interpreta e canta cristalino
E cada música é uma audaciosa
Interpretação que faz contagiosa
A emoção. Talento ali é genuíno,

Salta à pele do belo performático
Num espetáculo de policromático
Como polimusical, mas mui bonito.

Por isso, Ney é musical e visual
E é um showman do fenomenal
E sem par pra ele nesse quesito.

Francisco Libânio,
28/08/13, 12:08 PM

1213 - Soneto sob influência do João Bosco

Um contador de histórias

Que Noel era um cronista social
Da música brasileira não discute.
Mas João Bosco, nunca o refute
Como outro cronista, quase igual

Ao menestrel da Vila e tão genial
Quanto. Como um crime repercute
Detalhado? O corpo toma azimute
E, caído, torna-se a peça principal?

Como um casamento incompatível
Deságua num desquite tão incrível
Graças a um homem e sua fortuna

Num bilhete? Merece a homenagem
O João que pintou a bela imagem
Do cotidiano com forma oportuna.

Francisco Libânio,
27/08/13, 11:43 AM

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

1212 - Soneto sob influência de Belchior

Belchior, uma grande fera.

Dizem que ele é o filósofo-cantor,
Que punha a coisa existencialista,
Uma reflexão totalmente intimista,
Homem, o que vive ao seu redor.

Esse é o genial e grande Belchior.
Sempre parodiado por humorista,
Mas de sempre um grande letrista
Que merecia fama e renome maior.

Uma pena. Hoje é motivo de troça
Do humor, mas ainda a aeromoça
Fica sexy mais bonita, não se grita,

E mais que nunca se compreende
Esse toque I wanna hold your hand
Segundo diz minha música favorita.

Francisco Libânio,
26/08/13, 7:28 PM

1211 - Soneto sob influência de Djavan

Djavan, fera!

Suas letras, há quem me diga,
São de completo surrealismo.
E de fato, no Djavan o lirismo
Precisa de voar para dar liga.

Só que sempre dá. E a intriga
De quem diz ser intelectualismo,
Coisa de maluco ou só elitismo
Ao ouvir Djavan me puxa briga.

O cara vê além do óbvio, é fato,
Mas isso não o faz nada chato
Nem elitista como tanto se crê.

E se Djavan não te tem sentido,
Favor explicar e pôr entendido,
Faça favor, que é tchetcheretetê.

Francisco Libânio,
26/08/13, 5:06 PM

1210 - soneto sob influência de Milton

Milton Nascimento e seus tempos de boné.

Disse certa vez Elis Regina
Que se Deus tiver uma voz
É a de Milton. O dom feroz
A Deus facinho se aglutina.

Mas que tem a coisa divina
Na voz do cara, nota veloz.
Ao ouvi-lo claro e sem nós...
Não há virtude que defina.

E o ouço, a voz tão doce
Faz que o soneto alvoroce
E flua. E no fim, tem razão

A Elis. Deus canta por ele.
Que ele em Milton chancele
O capricho de sua criação.

Francisco Libânio,
26/08/13, 12:32 PM

domingo, 25 de agosto de 2013

1209 - Soneto sob influência de Caymmy

Afinal, pra que pressa?

Música sobre a Bahia, sobre o mar,
Sobre a baiana e vem de prisca era
Faz do velho Dorival a grande fera
Da música e garante a ele um lugar

Especial, e cadê para homenagear
O velho baiano? Em casa e a galera
Para aplaudi-lo que aguente espera,
A sesta dele é sem hora pra acabar.

Eh grande Caymmi, de Noel a Jobim!
Um grande mito até o definitivo fim
Que mostra que a qualidade trabalha

Com a tranquilidade, nada de pressa,
Uma rede e é lá que ela se processa,
Lá ou na paz total em Maracangalha.

Francisco Libânio,
25/08/13, 2:43 PM

1208 - Soneto sob influência de Simonal

O negão era foda. Só na base da mentira pra derrubá-lo.

Quem hipnotiza o Maracanãzinho
Com suingue e o enorme carisma,
Ou cria antipatia ou cria a cisma
Nesse meio egoísta e mesquinho.

Ainda mais se pinta um neguinho
Bom de serviço que é um prisma
Musical. Versátil. Só um sofisma
Pode tirar esse cara do caminho.

E o sofisma apareceu: Amizade
Com os milicos. Buscar verdade?
Pra quê? É alcaguete, ponto final!

Pena que a ideia foi comprada,
E uma estrela assim foi apagada,
Pensa hoje como seria o Simonal!

Francisco Libânio,
25/08/13, 1:14 PM

1207 - Soneto sob influência de Benjor

Quarenta anos, as mesma músicas... Pois é, só quem é bom consegue.

Se hoje é Benjor e antes era Ben,
O nome mudou, ficou o suingue,
O groove e, ainda que me xingue,
O cara tem um ritmo não se tem

Por aí e não se encontra ninguém
Que equipare o Ben nesse ringue,
Música que faz com que se gingue,
Se curta, pois isso o Ben faz bem.

Mas e daí que desde País Tropical
Não teve outro boom? Você, qual
Música sua dura desde os setenta?

Ben, ou Benjor, é eterno e é isso aí.
O cara sobe no palco e é o frenesi,
Enquanto o resto da turma só tenta.

Francisco Libânio,
25/08/13, 9:34 AM

1206 - Soneto sob influência de Tim

Não tá dando sinal hoje...

Sábado e uma tarde preguiçosa,
Compromisso algum, ainda bem!
E se quer arrumar um, nem vem,
Hoje eu quero fim de ficar prosa,

Em casa, TV, vida boa, gostosa,
Ver na geladeira o que bom tem,
E ficar de pernas pro ar também.
Soneteando que nem o que goza

Na cama. Que bom que a droga
Na minha vida não está em voga
Ou hoje eu estaria pra lá de alto,

Chapado. Soneteio aqui de boa,
Sábado de paz e eu aqui à toa,
Se pintar compromisso, eu falto.

Francisco Libânio,
24/08/13, 12:29 PM

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

1205 - Soneto sob influência de João Gilberto

A menor big band do mundo. João é sensacional! 

O mínimo de barulho possível!
Assim posso até bem sonetear,
Achar a rima certa pra colocar,
Deixar o verso mais inteligível,

Agradar a mim, fazer aprazível
Ao leitor que se puser no lugar.
Para isso, nada mais elementar
Que quietude, o mínimo audível,

Silêncio completo, nem um pio.
Tá certo o João em ser arredio
E fazer sua música com a lima,

O cinzel e deixar quase perfeita
Para encantar quem, à espreita,
Duvidava que vinha obra-prima.

Francisco Libânio,
23/08/13, 7:22 PM

1204 - Soneto sob influência de Gil

E de repente a Bahia soltou uma fera atrás da outra.

E como Caetano, sendo tão doce
E tão bárbaro, a pôr num passeio
No parque coisas mil no esteio
Que nada há que sequer esboce

Parecido. O moderno fez posse,
O festival foi um excelente meio
Para surgir o esse baiano cheio
De bossa. Que a massa endosse

Essa mistura de reggae e baião;
A MPB, que agradecia por João,
Outra razão agradecia à Bahia.

Eis Gil, Caetano, Bethânia, Gal
A ter com Raul o time sem igual
Baiano com talento em demasia.

Francisco Libânio,
23/08/13, 12:30 PM

1203 - Soneto sob influência de Caetano

E quem não curtir o cara é burro.

Se a Tropicália foi alegria-alegria
Não sei. Sei que contra o vento
Andar sem lenço ou documento
Soa mais bobeira e não rebeldia,

Mas tudo bem. Foi fase que fazia,
A guitarra na MPB foi o momento
Rebelde, foi o bom enfrentamento
Entre a qualidade que muito havia

Na nossa MPB e algo estrangeiro,
Também bom. E Caetano, pioneiro,
Comprou a briga, bancou a mistura.

Hoje, calmo, maduro e ótimo cantor,
O cara deu uma pausa nesse ardor,
Mas o feito lá atrás, ainda perdura.

Francisco Libânio,
23/07/13, 12:05 PM

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

1202 - soneto sob influência de Vinicius

Acho que me falta a banheira.

Eu que sou só poeta e quis ser,
Sonho de uma vida, diplomata,
Ouço Vinicius e me vicio na nata
De sua poesia com tal prazer

Que Vinicius me fez escrever
Sonetos, ora imitação barata
Do poetinha ora medida exata
Do meu amor por uma mulher.

Só que sem o álcool ou o mar;
A noite ou o fumo a me inspirar
Claro, meu soneto fica viciado,

Fica incompleto e sem sentido,
Foi lá ser viniciano sem ter sido
Acabou um soneto desviniciado.

Francisco Libânio,
21/08/13, 6:20 PM

1201 - Soneto sob influência de Tom Jobim

Olha que mulherão... Isso dá música.

Quantas garotas em Ipanema
Vieram, passaram sem graça,
É tanta menina lá que passa
Por que a Helô foi virar tema

Da música, esse lindo poema
Da Zona Sul? Estariam à caça
Tom e Vininha, daí tal trapaça
Da música pra ter o esquema?

Olho Ipanema e nem tudo isso.
Praia com um mulherio maciço
Como outras ou no Rio ou fora.

Mas a garota de Ipanema ficou,
Mas será que a cantada colou?
Admito, foi uma tática sedutora.

Francisco Libânio,
21/08/13, 12:34 PM

terça-feira, 20 de agosto de 2013

1200 - Soneto sob influência de Chico Buarque

Eu sou Chico, mas não consigo ser como o Chico... Paciência.

Estando assim, meio penseiro,
Um soneto se configura logo
E comigo mesmo eu dialogo,
Querendo um soneto inteiro,

Durante, Chico é companheiro,
Ouço uma coletânea e jogo
Tudo no soneto e homologo.
Meu soneto será o primeiro.

Mas sou Chico só no nome,
Aqui não uma sabiá já some
E roda-viva é algo pejorativo.

Queria ser Chico Buarque, ir
Além do óbvio e o soneto vir
Eterno e com mais alto crivo.

Francisco Libânio,
20/08/13, 12:21 PM

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Quando me falta a poesia

Glauco Mattoso, um dia chego lá. Se eu não desistir antes.

Inescrupulosamente me chamo de poeta. Na verdade, eu adotei isso quando, mais novo e um poema mais outro, alguém me chamou de poeta e eu ingenuamente acreditei. E quando acreditei nisso, arrogante, dei a escrever mais poesias. E, mais arrogante, faço isso até hoje.
Gostar de poesia sempre gostei. Sempre estiveram em minha estante gente do calibre de Camões e Vinicius de Moraes. Logo fui conhecendo Pessoa, Augusto dos Anjos, Gregório, Bocage e cheguei a Glauco Mattoso. De um lirismo puro, romântico e etéreo cheguei à lama, à sujeira e ao escárnio. Sei que posso chegar ao alto de novo, mas o chulo e o irreverente do rés do chão não me desagrada. Talvez seja esse o problema. De qualquer forma, lendo os líricos ou os chulos, a poesia faz parte de mim, mas me acometeu esse efeito colateral de me achar poeta. E outro, que é escrever.
Mas foi lendo especialmente Glauco Mattoso que a coisa me fez um mal estranho. Explicando rapidamente quem é o rapaz, trata-se de um excelente poeta, sonetista, cego e que, na falta de visão, passou a escrever incessante. Nessa, o rapaz chegou a mais de cinco mil sonetos. A maioria muito bons, mas com chulice, pornografia e fetiche à mesma proporção da genialidade e do rigor métrico, coisas que definem os grandes poetas e me excluem desse grupo. Seja como for, inspirado pelo bardo cego fescenino, resolvi eu me meter a escrever sonetos até onde aguentasse. Mais uma vez, arrogante, achei que poderia dobrar os cinco mil como ele. Houve um grande problema, no entanto: A falta de inspiração.
Claro que da mesma forma que Roma não foi construída num único dia, Glauco não escreveu seus cinco mil sonetos numa sentada. Nem teria como. Mas tem vezes que numa sentada não sai absolutamente nada. Tento escrever e um verso, um único verso, me faz festejar. A mente exaure, a inspiração seca. Não sei se Glauco tem esse problema. Acho que não. Só sei que nesse exato momento cheguei a 1190 sonetos – começados há quase dois anos com maiores e menores interrupções – e me falta material pra continuar. Falta-me completamente a poesia.
Quero escrever mais sonetos, mas já conclui não serem tão sonetos assim. Falta métrica, falta tonicidade em sílabas, mas tem sua forma. No entanto, falta inspiração. A fonte secou. Nem lendo o próprio Glauco vem uma luz, um insight, uma ideia que garanta um soneto a mais.
Falta a poesia. E quando falta a poesia é que eu noto o quão arrogante sou me chamando de poeta. O quanto esse dom que imagino ter não existe. Surge a dúvida. Será que devo parar? O que eu faço com toda poesia que fiz (ou cometi) até aqui? Será que devo renunciar a isso? Agora que me falta a poesia e eu, humildemente, volto ao mundo dos mortais do qual não devia ter saído, a reflexão é dura. Falta-me a poesia e escasseiam os sonetos. Deverão vir? Escrevo outro – e outros – caso a ideia volte a vicejar? Quando me falta a poesia, o senso critico parece um verdadeiro déspota a rasgar todo esboço que encontra. Caio da arrogância poética à dureza apoética em velocidade sônica. E me machuco.
Agora me falta a poesia e aqui escrevo uma crônica, uma forma diferente de poesia. Uma forma marginal de raspar qualquer inspiração que vier para que eu faça sonetos. A crônica é uma forma de me manter no chão sem querer escalar aos céus da poesia, lugar que, aqui do chão, eu penso não pertencer.
Enquanto escrevo essa crônica, a cabeça fervilha. Um soneto timidamente sussurra. Um verso se constrói solto esperando ser encaixado num soneto que aparecer. Qualquer um, não precisa ser o melhor deles. Sinto-me como se quisesse escalar outra vez o Olimpo dos poetas ao mesmo tempo que me recrimino. Não posso ir, mas quero. Não é meu lugar, mas quero teimosamente entrar na festa que não fui convidado. Quero conversar com Vinicius num soneto como quero contestar Bilac num verso. Eu não devia, mas enquanto a poesia volta, um outro soneto firma pé. E ao passo que odeio isso também me excita a continuar a escalada clandestina. E assim sigo.

Francisco Libânio,
17/08/13, 5:22 PM

1199 - Soneto muito ingênuo

Na Rússia vários homens se beijam na boca. Alguns dizem ser educação.

Isimbayeva disse toda segura
Que na Rússia não existe gay,
A aberração contra a sacra lei.
Foi uma fala feia e muito dura...

Como também fez triste figura
O presidente do Irã. Como direi
Da inocência quase de um frei
Noviço a viver só sua clausura?

Existir, existem, mas calados,
Na deles ou são amaldiçoados
E, nos dois lugares, algo pior.

Mas em dois países populosos
Não ter gay? Ou são mentirosos
Ou precisam conhecer lá melhor.

Francisco Libânio,
19/08/13, 12:19 PM

1198 - Soneto assegundado

Né fácil não!

A vida tem dias insuportáveis
E entre esses a segunda-feira
Tem essa qualidade primeira
E põe nossas vidas instáveis.

Nem todas são desagradáveis,
Admito, mas a cara de canseira
Dela já antipatiza. Traz à esteira
Pazes que soam inalcançáveis,

Mas não são. Ao enfrentamento.
A segunda é ruim, mas momento
Exato pra pôr a nosso governo

As emoções e o que for preciso.
Além do mais, a rota ao paraíso
Tem um bom trecho pelo inferno.

Francisco Libânio,
19/08/13, 11:14 PM

1197 - Soneto chicaneiro

Como assim tem coisas que eu não posso fazer?

Juiz que faz malandragem
Merece perder a bela toga.
Pega o homem, interroga
E investiga sem a margem

Da posição e da imagem.
Aos privilégios se revoga,
E se culpado pega e joga
O togado na carceragem.

E se for Ministro e acusar
De fazer chicana o seu par
Ou prova cada acusação

De forma clara irrefutável
Ou é jaula pro execrável
Crápula em alta posição.

Francisco Libânio,

18/08/13, 1:47 PM

sábado, 17 de agosto de 2013

1196 - Soneto que escutou demais

Pega coisa pela metade...

Ouviu pela parede, na orelhada,
Pescou uma palavra ao acaso.
Somou ela à outra e fez o caso
Que não havia. E na enrolada

Associação, saiu em disparada
Contando e provocou o arraso
Nas redondezas com seu raso
Saber. Sabia que boca fechada

Era melhor, mas a boca aberta
Era melhor, era diversão certa,
Pelo menos pra ele. O assunto

Rendeu e chegou muito além
De onde devia. Aí entrou bem
E virou o tema como defunto.

Francisco Libânio,
17/08/13, 7:06 PM

1195 - Soneto divorciante

Não cabe na boca. Espalha nos outros.

Por outro lado, tem a jararaca,
Aquela que a língua tem o fio
Sempre em dia e nada arredio
E sempre a bater uma estaca

No casal que agora se atraca
Pra briga e antes fazia no cio,
No desejo e agora um desvio
Pôs o casamento numa maca.

Só que com um casal o feitiço
Virou contra a jararaca. O viço
Deles rebateu todo o recalque

Da outra e apareceu quem era
A linguaruda e aí a besta-fera
Apanhou por cada desfalque.

Francisco Libânio,
17/08/13, 5:37 PM

1194 - Soneto casamenteiro

É uma forma de sorrir.
De tanto apresentar amigo
E disso sair relacionamento,
Noivado e, claro, casamento,
Terminou sendo um abrigo

Para gente sozinha e a perigo,
Que não pega folha no vento
E ela, pronta a todo momento,
Apresentava esse novo artigo

A alguém que tivesse interesse,
E, religiosa, já partia pra prece
Em casos que só santo ajuda.

Já ela estava solteira e de boa,
Homem pra nascer a aguilhoa
E ajudar os outros bem escuda.

Francisco Libânio,

17/08/13, 1:10 PM

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

1193 - Soneto de cama arrumada

Por pouco tempo.

Cama arrumada é sinal de asseio
E mostra máxima de organização.
Acorda-se e pronto tem a missão
De deixá-la em ordem pós-apeio.

Cama em ordem faz menos feio
O quarto e ela termina de atração,
Olha, que bonita essa arrumação
E, às vezes, acaba sendo o meio

Meio estranho, mas talvez eficaz
De conseguir papo o cosita más
Que envolva a cama ali arrumada.

E se colar, maravilha, desarrume
A cama. O malandro bem assume
Que a ordem foi parte da jogada.

Francisco Libânio,
16/08/13, 6:47 PM

1192 - Soneto angelicado

Pode ir, sua rebelde.

Chega a ideia e corro a escrever,
Pega é que entre estalo e escrita,
A ideia se sublima e fácil crepita
Risco total dela pelo ar se perder.

Corro. À ideia tento toda conter.
Dentro aqui da cabeça ela grita.
Vai logo! A danada pulsa, palpita
E ameaça fugir com tal prazer

Que se ela se for, ela vai feliz.
Por isso corro e é por um triz
Que a ela não some. Ao papel!

A ideia, ou o que sobrou dela,
Vira soneto e eu, ao escrevê-la,
Vejo quando ela viaja para o céu.

Francisco Libânio,
16/08/13, 6:21 PM

1191 - Soneto solteiro

Parabéns a nós.

Estar solteiro é tão duro ofício
Que a solteirice diz quase nada
Pois ou se caça uma namorada
Ou a solteirice vira mau indício

De que o dito falta ao exercício
Com o sexo oposto e a piada
Acaba quando a cada cantada
Uma vítima. Quase meretrício,

Verdadeira festa é a solteirice
Dos que são dados à gaiatice,
Mas este poeta, atual solteiro,

Não vive esse clima de bacanal,
Até queria achar sua alma igual
Pra viver junto o tempo inteiro.

Francisco Libânio,
16/08/13, 12:43 PM

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

1190 - Soneto arrancado

Até essa beleza anda faltando.

Da sujeira que eu não tenho
E do lirismo do qual abuso
Sai um soneto semiescuso
E ao fazer não me detenho.

Na chulice até me empenho,
Mas da doçura, tanto a uso
Que o bicho fica até obtuso
E não agrada o que resenho.

Paciência, tiro-o na porrada
E com porrada arrumo cada
Desagrado que me apareça.

Faltam sujeira e lirismo, pois.
E na falta clara desses dois
Até que me faz gosto a peça.

Francisco Libânio,
15/08/13, 6:39 PM

1189 - Soneto sujado

Foi o que deu pra fazer...

Meu soneto demais meloso,
Tento-o fazer algo pervertido,
Fescenino e tirar esse puído
Para fazê-lo ser mais jocoso.

O problema é o espírito cioso,
Cuidado ao ofender e rendido
Ao lírico e sem o lado bandido
E dionisíaco voltado ao gozo.

Saio dessa seara dois passos
E pareço temer os devassos
Mais do que desejar imitá-los.

E para deixar meu soneto sujo,
Cubro-o de lama e o garatujo
Em breves, mas insanos abalos.

Francisco Libânio,
15/08/13, 12:34 PM

1188 - Soneto meio socrático

Não tem maiêutica que dê jeito.

Discussões acontecem, tá na regra.
Diversidade opinativa e confronto
São sadios e põem quase pronto
Para a reflexão que ou desintegra

O vício e sendo assim bem alegra
Espírito aumentando em um ponto
O conhecimento ou, caso do tonto,
Jogam o debatedor na lista negra.

Conhecer a si mesmo é a dureza
Invencível. Mais fácil é virar mesa
E mandar quem discorda à merda.

É uma saída. Tola, mas uma saída.
Típico de quem considera vencida
A refrega e não vê a própria perda.

Francisco Libânio,
15/08/13, 10:32 AM

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

1187 - Soneto humanista safado

Só um corpo, mas... É gostoso.

O corpo como um banquete posto,
Uma casa santa e dada ao prazer
Pode não ser a visão certa de ter,
Mas alivia no homem um suposto

Desinteresse ou o duvidoso gosto.
Não vai secar? Não gosta de foder?
Tem é que desejar e não só querer!
O corpo, se vestido ou se exposto,

Precisa atiçar libido, erguer um pau,
Mas se não atiça ou ergue, qual mal?
O corpo é um corpo, é sacrossanto,

É máquina perfeita, exato engenho,
Mas admito, nem eu me abstenho
Se um me agrada. Desejo-o tanto!

Francisco Libânio,
14/08/13, 6:22 PM

1186 - Soneto portento

Que eu chegue lá e fique... E se eu cair, que suba de novo.

Que meu soneto seja bem sucedido,
Que minha lira, essa escabrosidade,
Seja reconhecida e que sua validade
Faça com que eu seja algo conhecido.

Sucesso é um negócio sem sentido.
Faz-se sucesso e vira a celebridade
Do ano. Sujeito deslumbra e invade
A cabeça todo o ego e fica metido.

Poeta assim, que almeja ser imortal,
Morre logo, esquecido sem ser o tal
E o público não conhece sua poesia.

Quanto a este soneto atrás de fama,
Que a tenha, mas saiba, ela é chama
Que esmorece fácil com o raiar do dia.

Francisco Libânio,
14/08/13, 4:34 PM

1185 - Soneto da mata íntima

E ela nem é tudo isso. Deixa a mulher.

E aparece a moça com uma vasta
E frondosa pelugem em sua virilha
Indo contra uma impositiva cartilha
A ensinar que pelo é coisa nefasta.

O debate, então, vem e lá se arrasta.
O opiniário de pronto já se engatilha.
Aquilo é horroroso! É uma maravilha!
Esquecem que a foto por si já basta.

Na real? Já teve tanto desmatamento
Íntimo, tanta vulva à mostra ao vento
Que até fica ecologicamente correto

Esse bosquinho da moça na revista.
E depois, deixe o lado ambientalista
Dela a cuidar da sua depilação quieto.

Francisco Libânio,
14/08/13, 12:01 PM

terça-feira, 13 de agosto de 2013

1184 - Soneto do amor sem sexo

Só estar junto basta.

Estranho e interessante aquele casal.
Namoram e vivem com cumplicidade
E tem um romance que muito invade
Querendo até que nós façamos igual.

Aí fulano pensa que deve rolar legal
E toda noite a mais íntima atividade.
O cara inveja o quanto a intimidade
Deve ter de couro, pica e coisa e tal.

Os dois, claro, deixam a coisa no ar.
Que a imaginação deles tome lugar
E imagine o que eles dão no quarto.

No caso deles, e que não se espalhe,
O sexo é mero e tão módico detalhe
Que um beijo bem dado já põe farto.

Francisco Libânio,
13/08/13, 5:00 PM

1183 - Soneto do sexo sem amor

É só fogo!

É o que chamam de coisa de pele,
Calores intensos a vir numa troca,
Libido a jorrar por aí e desemboca
Rápido. Não deixa que se protele.

É pra ser o sexo, pois que seja ele
Logo. Presto, que inicie pela boca
E que faça arrepiar o que ela toca
Para que depois o casal se mele,

Se estronde e completo animalize
O coito. Que não haja essa crise
De identidade sobre o acontecido.

Que a cama seja boa testemunha
Dos gritos e das marcas de unha,
Mas não de um fogo esmorecido.

Francisco Libânio,
13/08/13, 12:15 PM

1182 - Soneto dilemadinho

Há malícia e doçura... Tipo meus poemas.

Tento ser Mattoso, mas me falta
Certa sujeira e muita pornografia,
Sobra ilusão e excede a fantasia
Que no soneto, às vezes, se exalta.

E aí, essa coisa um tanto peralta
Um tanto tímida muito se extasia.
É um recato que quando malicia
Sem proteção alguma vai e salta.

Pra onde essa tentativa mattosiana
De ser ora fescenino ora doidivana
Vai? Para um infinito tão completo

Que malícia e recato são a mistura
Perfeita. O poeta vive ali sua agrura
Até desfiar toda ela noutro soneto.

Francisco Libânio,
13/08/13, 9:36 AM

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

1181 - Soneto a ser parido

Aqui tem um monte...

Dentro de mim esses sonetos
Engarrafados são duras crias
Que aguardam suas alforrias,
Mas ainda são somente fetos.

Esses sonetos, filhos diretos
Das vivências dos meus dias,
Dos sucessos e das agonias
Podiam ser desejos secretos,

Mas não são. O que eu desejo
Soneteio como tudo que vejo
Dando pau ou dando confete.

Só que os sonetos encubados
Chocam e aí ficam passados
E se vão sem deixar lembrete.

Francisco Libânio,
12/08/13, 7:34 PM

1180 - Soneto pouco agitado

A gente tenta fazer pérola, mas demora...

Em dias que o soneto não vem,
Não baixa, fica-se mais intimista,
Procura-se dentro alguma pista
Sem nem saber se realmente tem.

Se tem, maravilha, fica tudo bem,
O soneto fica um tom de otimista.
Se não tem, aí é azar do sonetista:
Sem soneto e sem humor também.

Dessa forma, o poeta se garimpa,
Tenta deixar sua alma mais limpa
E faz joia da sujeira. Tipo a ostra.

O problema é quando essa sujeira
Não dá pérola por mais que queira
E ainda deixa a casa suja à mostra.

Francisco Libânio,
12/08/13, 3:53 PM

1179 - Soneto intimista de ontem

Às vezes vendo, rola um soneto.

É noite, Pânico na Band
Na TV e enquanto passa
O programa e sua graça
Míngua, a ideia expande

E até vir outra que mande,
O poeta cuida da arruaça
Que está o quarto e traça
Alguma coisa a ser grande,

Revolucionária, inovadora!
O programa acaba. Agora
Segue o poeta nessa trama.

Que o dia seguinte continue
A marcha e que nada recue
Tal processo. Nem a cama.

Francisco Libânio,
12/08/13, 11:20 AM

sábado, 10 de agosto de 2013

1178 - Soneto blindado

Diante dos fatos, ou eles mentem ou eles tergiversam. Canalhas.

Quando se fala e se discute
E a imprensa faz a egípcia
Ou ocultando a dada notícia
Ou quando vem e repercute,

Faz mal. Nomes dá no chute,
Esconde algo, usa de malícia
Ao ocultar coisa sub-reptícia
Dos amigos. E nunca impute

A algum deles culpa. Se a há,
Esconda, disfarça, deixe pra lá
Chapa do jornal será um santo.

A honestidade e imparcialidade?
É marketing, mas bate a verdade
E pros deles tem sempre manto.

Francisco Libânio,
10/08/13, 5:30 PM

1177 - Soneto íntimo e camoniano

Camões para uma temperada.

As armas e os barões assinalados,
Ficam muitos bonitos com Camões,
Mas se usados para outros senões
É certo de terem usos mais errados.

As armas são sinceros e pensados
Torpedos mandados em afobações,
Já os barões são esses tais barões
Inimigos que estão por aí aos lados.

Refletir em Camões me dá inspiração
E além da Taprobana é a imaginação
Que me faz pensar a condição humana.

De verdade, armas e barões somente
Somos nós mesmos numa frequente
Guerra intimista e por demais insana.

Francisco Libânio,
10/08/13, 1:01 PM

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O Conhecido

Tantos amigos...

Tinha um problema grave em sua vida. Na verdade, eram quase sete bilhões de problemas. Sem exageros ou hipérboles, no entanto. O caso era que todos – e definitivamente todos! – no mundo o conheciam. Do Obama ao catador de lixo do outro lado da cidade, qualquer pessoa vivente sabia quem ele era. Não significa, no entanto, que ele conhecesse a todos. De muitos nem sabiam o nome. Dos mais óbvios, por tê-los visto pela TV ou folheado em um jornal, fazia pálida ideia de quem fosse. Mas a mão contrária era incômoda. E não que tivesse feito algo errado, mas de qualquer forma todos o conheciam. E o tratavam com familiaridade:
- Como vai, João Lucas?
- E aí, João Lucas? Como está a esposa?
- Você conhece o arroz de forno do nosso restaurante, João? Aparece lá pra experimentar.
- Hey, Joao Lucas, how’re you, dude?
E assim ia ouvindo cumprimentos, convites em todos os idiomas. Monoglota de carteirinha, não entendia os frequentes chamamentos em outros idiomas, mas seu nome era universal. E não era só na rua. Para ter certeza que era conhecido além-mares, em dado programa de TV pescado no controle remoto, pessoas diziam (ah, as legendas...) em várias línguas o quanto admiravam o casamento do João Lucas com a Lucinha.
Aqui entra personagem, que deveria ser estranha, mas não é. A Lucinha. Esposa há doze anos do João Lucas já o conheceu quando ele era conhecido mundialmente... Sem ter feito nada. Ela também o conhecia, mas não o tratava com a intimidade que todos (e todas) sempre o trataram. Ele admite que isso fez com que ela fosse a escolhida. Logo após o enlace, tornou-se uma mulher conhecida também.
Inveja? Não. João Lucas era um sujeito mundialmente conhecido, mas não sexualmente desejado. Ainda que todos conhecessem seu marido, nunca houve maluca ou depravada que desse em cima do seu marido. Conversavam com ele no ônibus, no mercado, na rua, mas nunca houve segundas intenções. Isso tranquilizava Lucinha.
Mas para o João Lucas a situação não era nada agradável. Não parecia simpático ver seu nome cumprimentado a rodo por estranhos. Sempre em vista isso. O estranho nunca era ele, que todos sabiam quem era, onde morava. Os meninos, filhos do João Lucas, todos sabiam quais eram, mas não quem eram. Sorte do pai. Não passou o gene da popularidade adiante. Lucinha acostumou. Ela virou a “mulher do João Lucas” quando não sabiam o seu nome. O epíteto jamais a incomodou.
- E sou mesmo. Sinal que ele está atrelado a mim como eu estou a ele. – ela explicava.
O interessante é que João Lucas nunca fez nada de relevante. Não acertou a paz entre os povos, não descobriu a cura de nenhuma doença, nunca foi esportista nem popstar. Nada. Apenas um dia, alguém o viu, soube que chamava João Lucas e dali a pouco a coisa alastrou. E nem havia internet naquela época. João já contava com seus quarenta e dois anos e era esse boom de popularidade desde os dezenove. Ainda se fosse homem bonito, modelo de revista, mas nem era. Passou muito tempo sendo o João Lucas sem saber que por quê. Acostumou. Conheceu Lucinha, que sabia quem era o João Lucas e se encantou.
Certa vez, resolveu sair pelo mundo e aproveitar a fama que tinha. Já que era o João Lucas, conhecido, simpatizado por todos e convidado pra tudo o que acontecia, decidiu usufruir da fama anônima. Daria uma volta ao mundo. Dinheiro não seria problema. Não foi uma a agência de turismo a propor patrocínio para sua aventura. Que honra para a casa ter o célebre João Lucas usando de nossos serviços. Negociou e escolheu uma que melhor apetecesse. Iria ser o João Lucas para o mundo e fazer bom-uso de seu nome. E assim fez. Foi aos EUA, conheceu o presidente do país. Depois, pela Europa, foi aplaudido num clássico espanhol. Conheceu a realeza britânica. Foi ao Vaticano pedir a bênção ao Papa e – mais que isso – dar uma palavra pela paz mundial. Foi falar com outros líderes religiosos e políticos também. Todos, sabendo de quem se tratava, resolveram não medir esforços para acabar com conflitos de fé. João Lucas passou o mundo todo. Realmente, era um sujeito conhecido e querido e, agora mais que qualquer coisa, influente. Ele, justo ele, homem simples, do interior, pai de família como qualquer outro, mas agora influente! Capaz de reunir todos os chefes de Estado na ONU, falar meia hora de groselha e sair aplaudido. Duvidava que conseguisse até realizar a coisa na prática.
Ao seu redor, João Lucas começava a formar um séquito de admiradores. Coisa quase messiânica. Gente que aclamava João Lucas como um líder, um novo Gandhi. Um cara que conseguiu fazer parar guerra por onde passou e não se abalou com o peso que isso lhe conferia. Seus seguidores decidiram, em reunião sem que João Lucas soubesse, que ele DEVERIA ser empossado Rei do Mundo e que todas as nações deveriam curvar-se diante dele. De forma democrática, claro. Nenhum presidente, rei ou ditador seria deposto, mas qualquer decisão mais relevante teria de ter o crivo do célebre João Lucas.
Quando recebeu a notícia em uma ilha do Pacífico, onde estava morando, deu de costas. Jamais aceitaria ser rei do mundo ou do que quer que fosse. As coisas não podiam e nunca seriam daquela maneira. Não se dependessem dele. Rei do mundo? Ora, essa. Logo João, que era um antimonarquista. Dessa forma, o movimento arrefeceu, os seguidores o abandonaram e ele voltou à sua vida normal.
Conta-se que João Lucas morreu há seis anos, mais ou menos. E foi enterrado como indigente sem uma vela daqueles que um dia sabiam quem ele era.

Francisco Libânio,
08/08/13, 7:38 PM